A DIFÍCIL ARTE DO DEBATE

Os seres humanos são animais que vivem assoberbados em palavras – pensamos em palavras e comunicamos uns com os outros, essencialmente, através das palavras. Daí que se dê tanta importância ao que é dito, escrito. Veja-se a Historia e pense-se nas consequências que algumas palavras (escritas ou ditas) já tiveram no desencadear de revoluções, guerras ou mudanças de mentalidade. Porém, tudo na vida é relativo e as palavras terão o valor que nós lhe quisermos dar: podem ser apenas sons ou imagens às quais não atribuamos significado nem valor.

A verdade é que temos uma grande necessidade de exprimir os nossos pensamentos (ou de uma forma pública, ou privada entre amigos e família) e daí nascem as inesgotáveis trocas de ideias. Trocas essas que tanto podem redundar numa exaltação de um pensamento uníssono e partilhado ou na criação de uma discussão entre ideologias antagónicas.

Os psicólogos explicam bem o prazer que o sentimento de sintonia de ideias origina mas também as tensões que a discussão de pontos de vista contraditórios cria. Porém, é da capacidade para ouvir os pontos de vista contrários que conseguimos crescer e fortalecer os nossos argumentos: ora porque somos capazes de incorporar parte das opiniões contrárias, ora porque descobrimos novos argumentos para melhor sustentar as nossas posições iniciais. Mas até esta actividade básica da comunicação verbal e da discussão de ideias tem de respeitar certas regras, para que possa ser verdadeiramente útil e civilizada. Ou seja, apesar de todos nós gostarmos de defender os nossos pontos de vista, quando nos confrontamos com os outros e começamos um debate de ideias, temos que respeitar um conjunto de princípios que são o garante de que estamos, realmente, a debater e não apenas a falar sozinhos (tantas vezes berrando por cima do que os outos dizem). Por isso, o próprio debate é uma arte, que tem os seus preceitos, e que carece de aprendizagem e treino para que nele possamos, devidamente, participar.

Em grande parte dos fóruns de discussão que hoje estão em voga, desde os debates televisivos, passando pelos programas de opinião pública (tanto na rádio como na televisão) e, principalmente, na internet, com os blogs, redes sociais e caixas de comentários de diversos sites de comunicação social, o que mais se vê é a proliferação de comentários e opiniões de pessoas que têm como único objectivo o insulto pessoal, a ameaça, enfim, a demonstração da raiva e ódio que sentem por quem pensa e diz de forma diferente da sua. Essa atitude é duplamente negativa: primeiro, revela um espirito de intolerância e um desrespeito pela civilização – a modernidade trouxe-nos um cada vez maior grau de pacifismo entre as gentes e um espírito de tolerância e respeito para com as opiniões dos outros; segundo, porque essa atitude de ataque pessoal nada faz para, realmente, contrariar as ideias que foram expostas – o eu bater numa pessoa que tem uma ideia diferente da minha não torna a minha ideia mais válida do que a do agredido. Se eu quero desmontar o argumento contrário eu tenho que, com factos e através do raciocínio lógico, demonstrar as falhas no pensamento do meu contrário. 

Se queremos debater algo com alguém, temos que respeitar as seguintes regras: 1. não fazer qualquer tipo de ataque pessoal nem discutir quais as características de quem profere o argumento – não interesse se é alto ou baixo, gordo ou magro, homem ou mulher, culto ou inculto, doutorado ou analfabeto, rico ou pobre, competente ou incompetente na sua profissão; 2. usar a lógica na demonstração dos nossos argumentos e, eventualmente, mostrar os erros de raciocínio no argumento contrário; 3. respeitar o facto de que, em qualquer debate, há uma componente subjectiva que faz com que seja possível, perante os mesmos factos, a mesma realidade, chegarem-se a conclusões diferentes e inconciliáveis. Esse é o momento de encerrar o debate, manter a preferência pelo seu ponto de vista, respeitar o outro e cada um seguir com a sua vida. 

Os países latinos estão, a este respeito, especialmente atrasados: porque tivemos uma educação escolar (e também familiar) baseada muito no “come e cala”, “escuta, aprende e não questiones”, não fizemos, desde cedo, um processo de aprendizagem relativo às técnicas do debate e, mais importante, não desenvolvemos um espírito de tolerância para ouvir o outro, por mais contrárias, distantes e absurdas que as ideias dos outros nos pareçam. Uma das características da urbanidade e do desenvolvimento é, precisamente, a capacidade de convivermos com pessoas que são diferentes de nós, pensam e comportam-se de forma distinta à nossa. Esta intolerância para ouvir o outro é a mesma intolerância que está na origem do racismo, da homofobia, do machismo, da intolerâncias religiosa ou política, enfim, daquilo que nos torna pessoas com menos sentido de compaixão e respeito pela liberdade individual. 

No fim do dia, um debate, por mais civilizado e respeitador que seja, não tem que ser capaz de pôr as pessoas todas a pensar da mesma forma. Uma opinião, por definição, é apenas isso, a expressão do pensamento subjectivo de quem a profere. Como todos somos diferentes, a subjectividade de cada um é diferente da do outro, e isso não muda com o debate. Mas temos todos a ganhar, enquanto espécie e sociedade, se formos capazes de entrar em verdadeiros debates de ideias com os outros e aprender/perceber os pontos de vista contrários, fazendo dessa diversidade de pontos de vista uma força colectiva e não um catalisador de conflitos e destruição. 

(Gabriel Leite Mota, Publicado no P3 a 16 de Julho de 2013)