terça-feira, 17 de março de 2015

A IMBECILIDADE DO ÓDIO


De todos os sentimentos humanos talvez seja o ódio aquele que mais me perturba. Saber que há quem sinta o outro como um objecto a aniquilar, que tem que sofrer e desaparecer, só porque não gosta dele, é algo que me inquieta.

Compreendendo que existam situações (poucas) em que o ódio possa surgir: quando destruíram alguém que amávamos ou quando nos atacam selvaticamente. Mas aí, trata-se mais de instinto de defesa do que de ódio puro e duro. E, mesmo assim, desse sentimento só pode surgir acção directa em circunstâncias muito específicas. A penalização daqueles que nos fizeram mal fica, nas sociedades desenvolvidas, a cargo das polícias e dos tribunais.

Em todas as outras situações, com se justifica o ódio que alimenta os denominados “crimes de ódio”? Como é possível existirem seres humanos que sentem por outros uma repulsa tal que os desumanizam, apenas porque esses outros seres humanos são, pensam ou comportam-se de forma diferente da sua. A desculpa é que esses pensamentos e esses comportamentos põem em causa o sistema de valores dos primeiros. Para que esse sistema, tido como fundamental, verdadeiro e único, não seja ameaçado, há que eliminar os perigosos infractores. Por isso o ódio.

O que é arrepiante é que, apesar de alguma evolução histórica (hoje a igreja já não queima cientistas, a escravatura foi proibida, e as mulheres e os homossexuais já podem ser iguais aos demais, em direitos e liberdades, em muitos sítios) ainda perduram ódios milenares que se manifestam um pouco por todo o lado.

Chocam-me as milícias populares russas que se divertem a fazer caça aos homossexuais; chocam-me os maridos latinos (portugueses, espanhóis ou latino-americanos) que violam as suas mulheres ou as espancam até à morte; chocam-me os pais que renegam os filhos em função da sua orientação sexual; chocam-me os gangues que se especializam em dar porrada em negros; chocam-me os fanáticos norte-americanos que renegam o evolucionismo e a origem das espécies e educam as suas crianças no criacionismo e lhes ensinam o ódio ao outro que pensa diferentemente; chocam-me aqueles que odeiam o próximo em função da sua condição económica (ou porque é rico ou porque é pobre); chocam-me os nacionalismos que olham para os estrangeiros como seres inferiores; chocam-me os compulsivos do insulto virtual que apenas sabem esperar pelo que outros escrevem para destilarem ódio e insultarem quem diz; chocam-me os genocídios, as guerras civis, o terrorismo ou as perseguições políticas (o Macartismo, o holocausto, a guerra nos Balcãs, o genocídio no Ruanda ou o 11 de Setembro foram todos ontem).

A imbecilidade é não se perceber que os seres humanos são todos iguais. Quando nascemos, devíamos todos ter os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Depois, temos os nossos interesses, preferências e valores divergentes, mas isso não justifica o ódio. Não compreender isso é renegar a nossa inteligência e fazer perigar o progresso e a paz.

No fim, resta um paradoxo: se a violência extrema e impiedosa (a que o ódio conduz alguns humanos) nos lembra a fúria de caça dos animais irracionais, o ódio ao próximo, ele próprio, é um traço distintivo da humanidade. Afinal, que outro animal já matou por ódio?

(Gabriel Leite Mota, Publicado no P3 a 2 de Maio de 2014)

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