sexta-feira, 20 de março de 2015

MANIFESTO ANTI-DOGMAS


Uma das grandes tragédias humanas é a necessidade que temos de nos apoiarmos em certezas absolutas para nos podermos aguentar na vida.
Desde certezas absolutas relativas ao pensamento mágico (nas superstições diversas contra a doença e a morte ou a favor da fertilidade humana e da natureza) até certezas absolutas relativas à moral (nos pensamentos religiosos e ideológicos), a história dos seres humanos mostra a nossa fragilidade perante a dúvida. Mesmo na ciência, o lugar natural do pensamento crítico, o dogma tende a infiltrar-se sob a forma de paradigmas que muitas vezes só se alteram com a mudança geracional dos próprios cientistas. 

A verdade é que a dúvida provoca a incerteza e a inquietação, enquanto o dogma promove a segurança, a paz de espírito. Mas como sempre, há um reverso da medalha: essa segurança que o dogma traz ao indivíduo tem sido (e será sempre) uma fonte de conflito social. Porque qualquer dogma só tem força (só é útil na produção de tranquilidade interior) se for único, se não existir aquele que tem outro, aquele que o questiona. Por isso tantas guerras e tantas mortes são perpetradas em nome dos dogmas. 

Pensemos nos “ismos”: machismo, racismo, catolicismo, judaísmo, islamismo, Estalinismo, Maoismo, nazismo, fascismo… Todos têm em comum pensamentos basilares (alguns mesmo materializados em texto) e o culto de personalidades reais ou idealizadas (um apóstolo, um líder político, um Deus ou dicotomias brancos vs negros, homens vs mulheres) que se consolidam em ideias inquestionáveis que dão origem a categorizações simples e maniqueísmos: bons – aqueles que estão conforme; maus – aqueles que pensam ou agem de forma diferente (ou são diferentes). 

Mais ainda, os dogmas limitam a inteligência humana: alguém muito inteligente pode ter dogmas mas só usa a sua inteligência para pensar sobre assuntos que não conflituam com os seus dogmas. Aos dogmas, não admite questioná-los. Aí, fecha a sua capacidade intelectual e diz: “isto é assim, porque sim”; “isto é assim, porque está escrito”, “isto é assim, porque outros disseram que era assim”, “isto é assim, porque eu sinto que tem que ser assim”. 

O inverso disto é a capacidade para a dúvida, o espírito crítico, a criatividade e o pensamento livre. E essas são as bases para a aceitação do outro (que será sempre diferente de nós) e para a difícil tarefa de enfrentar a infinidade e a complexidade do universo. É o perceber que não há saber sem questionar, sem pensar. 

É esse inverso que desejo e por isso sonho com uma sociedade em que os indivíduos sejam capazes de enfrentar as agruras da vida sem a necessidade de se agarrarem a algo que querem que exista mas não existe. Sonho com uma sociedade em que os seres humanos aceitam o outro, aceitam a morte e o fim das coisas, mas lutam, ainda assim, para serem felizes.

(Gabriel Leite Mota, Publicado no Jornal de letras a 13 de Novembro de 2013)

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