terça-feira, 17 de março de 2015

O PARADOXO DO SEXO


O desejo sexual é uma constante da humanidade. E não podia ser doutra forma. Fosse o sexo desagradável, ou algo do qual nunca nos lembrássemos, e a espécie humana tinha desaparecido do planeta no espaço de uma geração.

Aliás, todas as espécies animais não hermafroditas têm sexo e desejo sexual (ainda que disso possam não ter consciência). E nós até temos duas particularidades que, potencialmente, tornariam as relações sexuais mais ubíquas: as fêmeas humanas não têm cio (o que faz com que o nosso desejo sexual e as nossas relações sexuais não tenham uma altura específica para acontecer); como somos seres conscientes, inventámos formas de ter sexo sem procriar, podendo desfrutá-lo apenas pelo prazer que nos proporciona (de uma forma muito mais volitiva do que noutras espécies animais).

Assim, os seres humanos tinham todas as condições para serem hipersexuais. Mas é isso que sucede? Penso que não, e aí entra o paradoxo. 

Se olharmos para a grande maioria das culturas mundiais, vemos, quase sempre, em maior ou menor grau, uma recriminação do sexo. Ou porque é pecado, ou porque nos impede de atingir o Nirvana e o pleno conhecimento, ou porque só se pode fazer em determinadas circunstâncias (casamento), com determinadas pessoas (da mesma casta, religião ou cor da pele), ou com determinado propósito (procriação). Enfim, até a masturbação costumava ser reprovada e associada a um conjunto de males como a cegueira ou a impotência. 

Não me interessa aqui analisar a história das nossas culturas e perceber quando entraram, tão disseminadamente, todos estes preconceitos contra o sexo. O que me intriga é o facto de terem sido inventados. 

Sendo o sexo uma coisa prazenteira e indispensável para a perpetuação da espécie, parece-me absurda qualquer ideologia que o recrimine, o associe ao mal e proclame a sua repressão. A história das nossas culturas devia traduzir a importância biológica que o sexo tem em nós e não ser contrária a essa relevância. O resultado deste paradoxo é uma tensão forte e contínua entre a nossa natureza biológica (o nosso desejo sexual) e os padrões culturais que é suposto seguirmos. Dessa tensão resultam muitas hipocrisias, algumas parafilias e muita infelicidade. 

Penso que, colectivamente, devíamos trabalhar na direcção da progressiva eliminação dos preconceitos relativamente ao sexo. É que o mundo não são só os países desenvolvidos e, mesmo nesses, ainda há muito caminho a percorrer. 

O que temos que perceber é que, por mais carga cultural negativa que tenha sido imposta sobre o sexo, o sexo continua a ser parte importante da vida das pessoas, um contribuinte decisivo para o hedonismo e um promotor de felicidade.
(Gabriel Leite Mota, Publicado no P3 a 23 de Janeiro de 2014)

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